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Crônicas

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Memória Seletiva

A memória é a nossa capacidade de guardar as coisas, desde pequeninos somos exercitados a armazenar no cérebro o que precisamos pra sobreviver e interagir com as pessoas e o meio ambiente. Berramos e choramos para conseguir comida, fazemos aquela carinha de cachorro abandonado para ganharmos um carinho extra. A memória focaliza coisas específicas, e requer muita energia mental e infelizmente com o tempo vai se deteriorando, perdendo a validade. Mas a individualidade complexa de cada ser humano ainda me intriga. Certo dia estava chegando no meu “buraco” e junto comigo uma distinta senhora, como manda a etiqueta e a boa educação segurei a porta para que ela passasse. Para a nova geração que não está acostumada com isso, este gesto se chama gentileza. A senhora agradeceu: - “Que mocinho educado, obrigada” e seguiu em frente passando por um grupo de pessoas que conversava alto no meio do longo corredor que vai dar em uma sequência de degraus que levam aos elevadores. Um parênteses aqui! Uma particularidade no “buraco” são os longos corredores, logo após passar a porta de ferro na entrada, você encontra um enorme tapete vermelho que percorre todo o corredor subindo as escadas com seus ferros dourados, polidos com dedicação pela turma que quase sempre recebe gentilmente os que aqui chegam! Não, não, para tudo!!! O tapete foi retirado e revelado um piso horroroso de mármore, mas o pior está por vir, a bela porta de ferro foi pintada de azul calcinha, de verdade mesmo só restou na minha memória o glamour de chegar em casa e ter um tapete vermelho estendido pra você. Bem, a esta altura a senhora já subiu as escadas e encontra-se de fuxico com o porteiro, ao me aproximar percebo a conversa: - Eles são moradores do prédio? Perguntou com um ar desconfiado. - Não senhora, são hóspedes de temporada. A distinta senhora então se encheu de coragem caminhou até o topo da escada e com ar de quem adora se me meter na vida alheia esbravejou: - “Ei!!! Aqui no prédio não é permitido falar alto assim!” A turma lá de baixo fez que nem ouviu e continuou a tagarelar alegremente sob o olhar autoritário e descontente da senhora, até que o porteiro com aquele sorriso pretencioso, que só eles sabem dar, não se conteve e interviu: - “Eles são italianos.” A senhora virou-se rapidamente para o porteiro que respondeu com um olhar sonso, que só eles sabem dar. O silêncio foi interrompido com o barulho aterrorizador da porta pantográfica do elevador que avisara de sua chegada. Como manda o protocolo a porta foi aberta e só restava a senhora entrar. Relutante e inconformada ainda retrucou: - “E você não fala italiano?” A cena a seguir foi marcada apenas pelo barulho da porta de madeira do elevador fechando e como enjaulada dentro da sua própria arrogância a distinta senhora ainda colocou a cabeça no quadradinho da porta para tecer seu último comentário: - “Não se faz mais porteiros como antigamente!” O elevador subiu deixando para trás a memória dos tempos em que aprendemos as palavras mágicas: por favor, com licença, desculpa e obrigado. E para os amigos italianos, voltem sempre!

por Ricardo Leão


Memória Seletiva Reviewed by Unknown on 12:21 PM Rating: 5

Um comentário:

  1. rsrs
    E não se faz mais senhoras como antigamente... Aquelas que viamos passar com cabelos cor de anil, tom de voz sereno, um belo sorriso e a sensação de que amanhã será sempre melhor!

    Saudade desse seu cantinho amigo!

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